Óculos falantes representam grande risco para aprendizado de crianças e adolescentes com deficiência visual

A ONCB alerta: Compra de equipamentos inadequados, como os “óculos falantes” Orcam MyEye para crianças e adolescentes cegos e com baixa visão, representa um grande risco ao processo de alfabetização, inclusão e acessibilidade escolar desse segmento de pessoas com deficiência visual.

No Brasil, enquanto estudantes cegos e com baixa visão continuam sem acesso a recursos básicos e urgentes para a verdadeira inclusão educacional, alguns estados e municípios têm comprado equipamentos caros e ineficazes para etapa escolar de estudantes cegos e com baixa visão.

Faz algum tempo que a Organização Nacional de Cegos do Brasil, ONCB, tem observado um movimento estranho por parte de algumas secretarias municipais e estaduais de educação de várias regiões do Brasil, que adquirem recursos inadequados por valores exorbitantes. Recursos como, por exemplo, os “óculos falantes” OrCam MyEy..

Sabemos que existem aplicativos mais avançados e gratuitos para os sistemas Android e iOS, como o Seeing AI, Sullivan +, Be My Eyes, dentre outros.

Estranhamente, as compras inadequadas ocorrem ao mesmo tempo em que materiais didáticos em Braille, para crianças e adolescentes cegos, e ampliados e adaptados, para os alunos com baixa visão, não são entregues.

Essas mesmas crianças, em regra, têm enfrentado dificuldades para acessar recursos de estrema necessidade como bengalas, óculos de gral, lupas, próteses, regletes, máquinas Braille, medicamentos, dentre outros.

A ausência desses recursos imprescindíveis representa uma agressão a essas crianças e adolescentes, já que a infância é a etapa mais curta da vida. Qualquer dificuldade que essas pessoas com deficiência enfrentam no acesso e na inclusão deixa uma lacuna complexa para ser reparada na fase adulta.

É importante destacar que somente os materiais em Braille oferecem, aos estudantes cegos, acesso direto à estrutura da gramática e da grafia, além dos símbolos matemáticos, químicos, dentre outros.

Já os materiais ampliados e adaptados atendem às necessidades dos estudantes com baixa visão e, inclusive,  são indispensáveis para que essas crianças e adolescentes exercitem o pouco que enxergam. Portanto, submeter esses estudantes a qualquer recurso sem uma avaliação criteriosa pode inclusive representar um risco ocular a médio prazo.

É determinante que os gestores entendam que as pessoas cegas, com baixa visão e qualquer outra deficiência precisam participar da decisão pela compra ou não de recursos de tecnologia assistiva, juntamente com suas famílias, especialistas e entidades especializadas em habilitação, reabilitação e defesa de direitos, porque são elas as mais interessadas.

Somente dessa forma é possível garantir o uso adequado dos recursos públicos e a efetiva inclusão e acessibilidade das pessoas com deficiência, exatamente como preconizam o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão – LBI.

Limitações dos óculos falantes Orcam MyEye

O Orcam MyEye, também conhecido como “óculos falantes”, comercializado por volta de 16 mil reais, é um dispositivo acoplado às hastes dos óculos para efetuar leitura de textos, informar a hora, reconhecer notas de dinheiro e pessoas cadastradas.

Ocorre que, especialmente nos últimos três anos, sugiram aplicativos gratuitos para celulares com recursos idênticos e mais sofisticados, que desempenham centenas de funções como descrever detalhadamente textos, ambientes, fotografias e pessoas, além de identificar cédulas, luminosidade, ler código de barra, identificar embalagem de produtos  com maior precisão, por estarem conectados à rede.

Esses aplicativos gratuitos permitem que a pessoa possa, por exemplo, copiar parte de um texto, fazer um resumo e até compartilhar com outras pessoas, funcionalidades que o Orcam, vendido aos montes para órgãos públicos não faz.

O OrCam jamais deveria ser comercializado com a promessa de ser a grande solução para acessibilidade e inclusão escolar, porque, dentre tantas limitações, não efetua leitura de símbolos como os de matemática, química, física e os musicais. Além disso, não realiza leitura de planilhas, tabelas e de algumas estruturas de textos e não reconhece figuras e gráficos, que são utilizados comumente em materiais educacionais.

porque sua bateria tem duração de cerca de apenas duas horas, tempo insuficiente para metade da jornada escolar de uma criança e adolescente. Porque não permite que a pessoa cega ou com baixa visão salve o texto para ler em outro momento ou compartilhar com outras pessoas.

Além de todos esses aspectos, é fundamental que os estudantes tenham contato direto com as estruturas linguísticas e de símbolos durante toda a etapa escolar, da alfabetização até o Ensino Médio, de acordo com o conhecimento científico mais atual. Esse aprendizado, em sua plenitude, apenas o Braille e os materiais adaptados possibilitam.

Imaginemos uma criança sem deficiência estudando apenas ouvindo os conteúdos, sem ter qualquer contato visual com as letras, as palavras e os símbolos. É a mesma situação quando um estudante cego ou com baixa visão utiliza esses “óculos falantes” como o principal recurso.

Desvio de finalidade na compra de tecnologias assistivas

Sendo assim, notamos um possível desvio da necessária boa finalidade do uso de recursos públicos ao percebermos as compras de equipamentos caros, enquanto existem aplicativos gratuitos e mais avançados. É perceptível, também, a discriminação e o capacitismo contra as crianças e adolescentes cegos e com baixa visão expostos em vídeos, fotos e campanhas meramente politiqueiras e comerciais.

Essas crianças e esses adolescentes são diretamente afetados com as compras inadequadas.

É preciso que, primeiramente, os órgãos de controle da união, dos estados e municípios efetuem uma apuração aprofundada sobre qual é o motivo das compras de recursos inadequados e a sua eficácia, ao mesmo tempo que existem aplicativos gratuitos e mais avançados.

É preciso ainda efetuar um levantamento que possa aferir se esses equipamentos de fato vêm sendo utilizados pelas crianças e adolescentes cegas e com baixa visão. Essa preocupação se deve por exemplo a uma mensagem que recebemos de um estudante cego de 15 anos do estado do Paraná.

No áudio, o jovem afirmou que somente usou os “óculos falantes” uma vez, para gravar um vídeo sobre a chegada do equipamento.

Também destacamos a necessidade do bom uso dos recursos públicos e o alerta para que gestores e autoridades públicas não acreditem em propagandas mirabolantes, com o discurso de que um único equipamento pode resolver a inclusão e a acessibilidade de estudantes cegos e com baixa visão, porque essa afirmação é falsa.

Denúncias e ações da ONCB sobre OrCam MyEy

Por isso, a Organização Nacional de Cegos do Brasil, ONCB, têm denunciado essa situação nas redes sociais e nos meios de comunicação. Tem proposto também notas de repúdio, como a que fizemos, na primeira semana de abril, durante a Conferência Nacional da Criança e do Adolescente, ocorrida em Brasília. O texto da  ONCB foi aprovada pelos delegados ali presentes.

Os riscos dessas compras inadequadas também têm sido abordados pela ONCB em espaços como o Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes, em algumas secretarias de educação, e a sociedade em geral em seus veículos de comunicação.

É preciso que os gestores e a sociedade entendam que, para garantir a inclusão, acessibilidade e equidade de estudantes cegos e com baixa visão, não há nenhum equipamento e nem recurso “milagroso”. Tem que haver pesquisa, capacitação e investimento correto.

Aqui, não se trata de demonizar os “óculos falantes” Orcam MyEye, que têm seu valor enquanto tecnologia em alguns casos. Nosso objetivo é reafirmar que existem aplicativos gratuitos que fazem muito mais, que esse produto não é recomendado para ser utilizado por crianças e adolescentes em fase escolar e que, em nenhuma hipótese, substitui os materiais em Braille, adaptados e ampliados.

É determinante que toda a sociedade e principalmente os políticos e gestores entendam que inclusão e acessibilidade é garantir capacitação de professores, conscientização dos estudantes sem deficiência, o acesso aos materiais em Braille e ampliados, bengalas, próteses, lupas, óculos, máquinas Braille, reglete, display Braille, medicamentos quando necessário, acompanhamento oftalmológico, dentre outros serviços e recursos mais urgentes e adequados.

Importante, ainda, destacar que os recursos tecnológicos como celulares, computadores e outros, podem e devem ser utilizados nas fazes escolares de crianças cegas e com baixa visão, mas sempre em complemento ao Braille e ampliado, e de forma complementar, ética e responsável.

Por fim, destacamos que tornar a compra de equipamentos supostamente milagrosos e inadequados para sair bem na fotoé flertar com o preconceito e com o capacitismo para com as crianças e adolescentes cegos ou com baixa visão.

Inclusão, acessibilidade e equidade não podem ser tratadas com oportunismo e mero comércio. É preciso respeitar nossas crianças cegas e com baixa visão e suas famílias.

Referências e opiniões de usuários sobre Orcam MyEye

Confira, abaixo, a opinião de especialistas e pessoas cegas e com baixa visão sobre esse recurso.

Vídeo:O Que Dizem Pessoas Cegas e com Baixa Visão Sobre o Orcam MyEye?

Vídeo Denúncia: Compra dos “óculos falantes” OrCam MyEye para crianças cegas e com baixa visão representa grande risco para o processo de alfabetização

moção de repúdio da ONCB sobre compra de tecnologias inadequadas é aprovada pela 12ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

Vídeo: Programa De Olho na Inclusão – 29/03/2024 – Denúncia: OrCam é ameaça para a alfabetização de crianças cegas

Vídeo: Comentários sobre Orcam, Francis Guimarães:

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