Nota pública contra a tentativa de redução das cotas em estágios e postos de trabalho

Neste dia 24 de julho, no qual comemoramos 29 anos da lei de cotas, a Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), por meio das suas Secretarias de Juventude e Trabalho, vem a público externar absoluta preocupação com acenos e propostas do governo à mudança nas condições de trabalho das pessoas com deficiência. Embora ainda não seja uma MP, o espírito da proposta se demonstra equivocado, ameaça conquistas já obtidas nos últimos anos pelo movimento de pessoas com deficiência e evidencia um claro descolamento da realidade.
A proposta de medida provisória que institui o Programa “Garantia Jovem” dispõe, em seus artigos 5º e 6º, que os percentuais de vagas atualmente reservadas às pessoas com deficiência em estágios e postos de trabalho na iniciativa privada sejam compartilhados, respectivamente, com adolescentes entre 15 e 18 anos beneficiários de programas de acolhimento institucional, e com jovens entre 18 e 29 anos egressos desses programas.
Esta organização reconhece a importância e apoia a tomada de medidas efetivas para a efetivação das garantias previstas pelo Estatuto da Juventude, Lei nº 12.852/2013, e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990, aos jovens que estejam ou já estiveram incluídos em programas de acolhimento institucional, bem como a necessidade de políticas públicas voltadas para a promoção do estágio, aprendizado e trabalho para a juventude, as quais não podem, todavia, se dar às custas dos direitos arduamente conquistados pelo segmento das pessoas com deficiência.
Sem prejuízo da necessidade de políticas públicas de inclusão no mercado de trabalho para adolescentes e jovens beneficiários ou egressos de programas de acolhimento institucional, estamos convencidos de que o proposto compartilhamento dos percentuais das cotas para pessoas com deficiência em estágios e postos de trabalho na iniciativa privada fere de morte o mecanismo contido no parágrafo 5º do artigo 17 da Lei 11.788/2008 (Lei de Estágio), e no artigo 93 da Lei 8.213/91 (Lei de Cotas).
O próprio Estatuto da Juventude, em seu artigo 15, inciso VII, reconhece a necessidade de apoio ao jovem trabalhador com deficiência, o qual, nos termos atuais, não obstante a situação de dupla vulnerabilidade em que se encontra, é contemplado pelas reservas de vagas estabelecidas pela Lei do Estágio e pela Lei de Cotas.
Ressaltamos que, conforme enuncia a Lei Brasileira de Inclusão, Lei 13.146/2015, em seu artigo 10, Parágrafo único, compete ao poder público garantir a dignidade da pessoa com deficiência por toda sua vida, sendo esta considerada vulnerável em situações de risco, emergência ou calamidade pública.
Num momento marcado pela crise do emprego, agravada pela pandemia de Covid-19, as pessoas com deficiência são, certamente, as que enfrentam mais barreiras para acessar ou se manter no mercado de trabalho.
Tanto é assim que o direito ao trabalho é garantido a elas pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pelo Brasil com força normativa constitucional, e pela Lei Brasileira de Inclusão.
Neste momento, que coincide com o aniversário de 29 anos da Lei de Cotas, o governo federal, por meio dessa proposta, subscrita pela Secretaria Nacional da Juventude, pertencente ao Ministério DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS, promove uma cruel disputa entre dois grupos vulneráveis, na qual ambos fatalmente sairão perdendo.
Em vez disso, o governo brasileiro deveria aprofundar as ações afirmativas para as pessoas com deficiência no mercado de trabalho, garantindo a proteção necessária durante o período emergencial em que nos encontramos, e criar cotas exclusivas para adolescentes e jovens beneficiários ou egressos de programas de acolhimento institucional.
A ONCB avalia que o aniversário de 29 anos da Lei de Cotas, que ocorre neste dia 24 de julho, é momento propício para o governo retirar de pauta essa famigerada minuta de medida provisória. Antes de propor tais medidas, cabe sentar à mesa com as pessoas com deficiência e com todos os demais grupos vulneráveis para engendrar efetivas políticas públicas de trabalho e emprego, sem fomentar compartilhamentos indevidos ou disputas fratricidas entre segmentos que, sem ações afirmativas eficazes, estarão alijados do sistema produtivo.

Alberto Pereira
Presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil

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