Manifesto da ONCB sobre nova Política de Educação Especial

A Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), entidade nacional sem fins lucrativos, suprapartidária, laica, atuante na defesa e garantia de direitos, representante direta de 90 instituições de e para cegos e das cerca de sete milhões de pessoas com deficiência visual das cinco regiões do país vem a público para manifestar-se sobre o teor do Decreto Presidencial n. 10.502, de 30 de setembro de 2020, publicado no DOU de 01 de outubro de 2020, que dispõe acerca da Política Nacional de Educação Especial Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida.
Cientes de que, seja nas instituições especializadas e sobretudo nas escolas comuns, os estudantes com deficiência visual necessitam de condições específicas que lhes possibilitem uma escolarização de qualidade, da educação básica ao ensino superior, a ONCB manifesta sua preocupação acerca do novo texto da Política Nacional de Educação Especial e reafirma o seu empenho no sentido de mobilizar-se junto ao poder público e à sociedade civil a fim de que, para essa parcela de estudantes, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana seja respeitado.
Diante do exposto e considerando a necessidade da implementação de um sistema de ensino que resulte em benefícios no processo de desenvolvimento de todos os estudantes brasileiros, o posicionamento de nossa organização se pauta na construção de uma política educacional embasada no seguinte princípio, já referendado no marco regulatório nacional reconhecimento de que, tal qual ocorre na educação geral, a escolarização do estudante com deficiência é de responsabilidade do poder público, que deverá adotar todas as medidas no propósito de identificar e assegurar as demandas específicas dos diversos estudantes que compõem o público da Educação Especial.
Por se tratar de um tema que terá impacto direto e decisivo na vida de milhares de pessoas cegas e com baixa visão, torna-se urgente e imprescindível a revisão e o aprimoramento do referido decreto, tendo por base as seguintes observações

1. A construção da PNEE não levou em consideração, em muitos de seus artigos, a garantia de direitos já adquiridos em documentos nacionais e internacionais, tais como
Arts. 5º, 205, 206, Inciso I, e 208 da Constituição Federal de 1988;
Capítulo IV da Convenção pelos Direitos das Pessoas com Deficiência, documento da Organização das Nações Unidas (2006), já ratificado pelo Brasil e outros países e, portanto, com status de Emenda Constitucional;
Art. 27 da Lei n. 13.1462015, Lei Brasileira de Inclusão (LBIEstatuto das Pessoas com Deficiência), de 2015.
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4, que integra a Agenda 2030 ONU, o qual prevê que seja assegurada educação inclusiva e equitativa de qualidade e sejam promovidas oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos, garantindo assim a inclusão de pessoas com deficiência em todas as metas do ODS 4.

2. Ao contrário do que se pretende para um documento que, como já foi dito, terá impacto direto e decisivo na vida de milhares de pessoas cegas e com baixa visão de todo o território nacional, o decreto não foi alvo de uma ampla discussão por parte de setores da sociedade civil, nele profundamente interessados, como as próprias pessoas com deficiência, familiares, movimentos sociais e instâncias de participação como, por exemplo, o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CONADE).

3. Temas de profunda relevância, tais como ensino de jovens e adultos, ensino técnico e ensino superior, não mereceram, por parte dos elaboradores do documento, devida atenção.

4. A observação acima é válida também para a formação de educadores e de outros profissionais imprescindíveis para a garantia de uma educação de qualidade, a exemplo de professores, transcritores e revisores Braille, indispensáveis nas instituições de ensino onde haja matrícula de estudantes com deficiência visual.

5. Já o atendimento de crianças de até três anos de idade – educação precoce, também vagamente citado no documento -, deverá ser amplamente discutido, definindo-se os responsáveis e estabelecendo-se as orientações técnicas relativas ao tema, sempre em
consonância com as políticas de inclusão consolidada em documentos nacionais e internacionais.

6. cabe registrar que, para os estudantes com deficiência visual, segundo sua especificidade e necessidades pedagógicas, é inadmissível a possibilidade de sala especial, sendo, contudo, imprescindível a disponibilização de recursos pedagógicos, recursos tecnológicos e apoio de profissionais devidamente capacitados na área, bem como a implantação e implementação de serviços, tais como sala de recursos,, centro de atendimento educacional especializado e centro de apoio pedagógico aos deficientes visuais.

7. Não questionamos o direito de a família optar pela modalidade de educação que será ofertada à criança com deficiência visual, porém tal direito não pode servir de justificativa para que o Estado se exima de suas obrigações, correndo-se o sério risco de ser negado a esta criança o direito de ser matriculada preferencialmente em uma escola comum, direito este garantido pelas legislações vigentes, sob a alegação de não estar a escola devidamente preparada para o atendimento dos estudantes com deficiência visual. Para que a família exerça o direito de escolha, é fundamental que haja efetivamente opções disponíveis, independentemente de localização geográfica ou poder aquisitivo, além das devidas informações.

É certo que as três décadas de sua implantação ainda não foram suficientes para que a educação inclusiva atinja a qualidade que esperam todos que nela acreditam. Todavia, as conquistas até aqui obtidas nos dão a certeza de que estamos no caminho certo e, por esta razão, somos totalmente contrários a qualquer tipo de retrocesso que nos impeça de atingir plenamente nossos objetivos.
Finalmente, a ONCB reitera seu intuito de colaborar para que este documento possa adequar-se ao legítimo reconhecimento das possibilidades educacionais das pessoas cegas e com baixa visão e, no propósito de contribuir com o debate em todo território nacional, constituiu um grupo de trabalho integrado por especialistas da área da educação inclusiva,
composto por pessoas com e sem deficiência visual, que irão emitir, em breve, um parecer técnico baseado em todos os documentos acima citados.
Ainda que as pessoas com deficiência visual só tenham tido, de fato, acesso ao conhecimento há menos de 200 anos, a história por elas construída é rica e inspiradora e dela fazem absoluta questão de continuar sendo protagonistas!

06 de outubro de 2020.

Respeitosamente,

Alberto Pereira
Presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil

 

Confira o manifesto da ONCB sobre a nova Política de Educação Especial em PDF

3 responses to “Manifesto da ONCB sobre nova Política de Educação Especial

  1. É triste ver, intencionalmente, pessoas eletivas a cargos estratégicos só para retirar com maestria , todos os direitos já adquiridos, e ainda por cima, pousarem de bons SAMARITANOS, como bem feitoreres de nobres causas, como se precisássemos de favores!
    Não ao retrocesso às escolas de edução especial inclusivas!
    Revisão imediata do Decreto 10 502/2020 sobre política nacional de educação especial!
    Esta é a minha leitura sobre este novo decreto Presidencial

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