ONCB: em 2007 você foi convidado para gravar os Jogos Mundiais para Cegos. Como surgiu esse convite?

Erick Monstavicius: em 2007 São Caetano do Sul foi sede dos 3º Jogos Mundiais para Cegos – praticamente uma paralimpíada apenas para pessoas com deficiência visual.

Uma escritora da cidade, também de São Caetano do Sul, Neli Guiguer, me procurou interessada em cobrir este evento. Porém, já pensando na possibilidade de virar um curta-metragem ou algo parecido, eu criei a primeira versão do roteiro para direcionar alguns depoimentos que iríamos gravar. Boa parte do roteiro final do Jogo Cego, como a parte da relação com a família, já nasceu nesta época.

ONCB: quais foram os aprendizados que você obteve com essa experiência?

E.M: eu nunca havia tido nenhum contato mais profundo com pessoas com deficiência. Desde o início procuramos entender e respeitar esta nova realidade, mas só fomos amadurecer a questão da acessibilidade sobre a audiodescrição por volta de 2010. Foi algo que o Cleber, o outro diretor, se dedicou bastante.

Sempre que assistíamos outros filmes sobre pessoas com deficiência visual achávamos estranho não darem prioridade para a audiodescrição – em alguns casos nem havia versão com audiodescrição. Acredito que este foi o maior aprendizado como artista: criar um filme em que a prioridade é a acessibilidade, e o Jogo Cego prova que é possível, sem perder a qualidade artística.

O aprendizado como cidadão talvez seja até maior ao aprendizado do artista.

Nós tivemos que nos colocar no lugar do outro, ampliando nossa percepção além do que conhecemos. Foi um aprendizado sensorial.

A todo momento me questionava sobre minhas próprias limitações também – afinal somos todos iguais, todos temos nossas limitações de uma forma ou de outra.

ONCB: a partir de que momento vocês perceberam que poderiam transformar as histórias de atletas com deficiência visual em um filme-documentário?

E.M: no ano de 2007 nós fomos gravar com um roteiro, mas sem saber exatamente o que iríamos encontrar, não houve tempo para pesquisa. Fizemos cerca de seis diárias e foi muito surpreendente a riqueza das histórias. Logo depois, no segundo semestre de 2007, eu e o Cleber decidimos que estas histórias eram muito ricas e que deveriam ser contadas em um filme documentário de maior duração. A partir daí formatamos um projeto e demos andamento ao filme.

ONCB: o cinema independente enfrenta muitas dificuldades para produzir um filme. Como foi a busca por patrocinadores para financiar o Jogo Cego?

E.M: foi uma das partes mais difíceis porque é uma parte que não depende de você. Não depende da qualidade das histórias, de sua qualidade técnica… Depende das empresas acreditarem. Tivemos muita sorte em encontrar três empresas que acreditaram em nosso trabalho: Oji Papéis Especiais, Ferracini Calçados e Exato Transportes Urgentes.

O curioso neste ponto é que achávamos que não seria tão difícil, afinal as empresas tem abatido o valor patrocinado do ICMS. Era um custo que as empresas teriam de todo modo, com ou sem patrocínio. Mas mesmo assim foi a parte mais difícil.

ONCB: qual foi a sensação de tirar o projeto do papel e começar a fazer as entrevistas?

E.M: foi muito emocionante e recompensador, especialmente em meu caso. Eu venho da área de exatas, sou formado em engenharia e, em 2004, resolvi mudar minha vida e me dedicar ao cinema. Jogo Cego é meu primeiro filme, lançado quase 12 anos após eu ter decidido encarar o cinema. Meu objetivo profissional é viver do cinema e, depois de muito estudo e aprendizado, este documentário é a minha estreia como cineasta.

ONCB: muitas vezes as pessoas com deficiência visual são vistas como super-heróis. No filme há um esforço em desmistificar essa ideia, mostrando os atletas com sonhos, rotinas e desafios que não diferem das demais pessoas. Como foi quebrar esse estereótipo, insistentemente reforçado por veículos de comunicação?

E.M: nossos patrocinadores nos deram total liberdade criativa e pudemos colocar nossa visão pessoal e autoral neste filme sem nenhuma interferência, o que nem sempre é possível, mesmo em leis de incentivo a cultura. Esta desmistificação é a nossa visão particular que queríamos dar como artistas, tanto eu como o Cleber.

Em especial a publicidade cria os super-heróis: o profissional de sucesso que compra o melhor carro, a super mãe que toma remédio para enxaqueca para não deixar de trabalhar e cuidar dos filhos, o jovem que vai vencer na vida se matriculando na faculdade particular.

Obviamente, a mesma abordagem é dada a pessoas com deficiência visual: o super deficiente que consegue a independência ou então o super deficiente que superou tudo e conseguiu provar que era o melhor de todos ganhando a medalha de ouro.

Não compartilhamos esta visão e o filme comprova isto, como você observou. A mensagem que quisemos passar, e seu comentário mostra que tivemos sucesso, é de que uma pessoa com deficiência visual é como outra qualquer e que é muito saudável que ela saia de casa e tenha uma atividade física. Espero que o filme Jogo Cego venha a incentivar a prática esportiva para pessoas com deficiência visual.

Além disso, o importante na vida é vivê-la. O atleta Magno fala no final do filme que é algo que resume o meu pensamento: “o importante é que eu vou ter histórias para contar” – ou seja, eu vivi minha vida, encarei meus desafios, ganhei e perdi como todos. Participei da sociedade, dei minha contribuição.

Este pensamento de participar da vida em sociedade como objetivo, sem querer ser o super-herói, é algo que também faz parte de uma visão pessoal minha que se reflete em minhas obras. Eu também não preciso ser o maior cineasta, não preciso ganhar o Oscar, vender milhões para ser rico… Eu quero com meu trabalho o mesmo que o Magno conquistou: ter histórias para contar, participar, fazer algo de valor para a sociedade. Nisto eu me identifico com os atletas. Assim como eles, eu também tenho o objetivo de dar minha contribuição na sociedade.

Gustavo Torniero (Secretaria de Comunicação)